*Este é um capítulo POSTERIOR A Caminho de Sangue e Pólvora. , por tanto, CONTÉM SPOILERS.
**Além desta página, também está disponível para leitura no spin off Contos do Beco.
Surpresa de Reveillon
Naquele ano, a festa final seria em uma casa de veraneio de Scott. Ele não a frequentava desde a morte dos avós, mas o ambiente continuava impecável: uma mansão com vista para montanhas e o mar, incontáveis quartos e janelas gigantescas, além de um jardim excepcional. Além do casal, – quem diria que já haviam passado dois anos desde o casamento dos ex-assassinos? – os ex-traficantes Todd, Ashley, Sam, o ex-informante Santiago e o ex-mercenário Louie, também participariam da festa.
Ainda era meio de tarde e todos os preparativos para a celebração da virada de ano já estavam prontos. Enquanto Santiago observava um debate entre Sam e Todd sobre a possibilidade de as lendas urbanas serem reais, Scott e Louie trocavam ideias sobre empreendedorismo. Após ter se afastado da vida criminosa, o mercenário agora trabalhava duro para restaurar o legado de restaurantes finos deixado pelo seu falecido pai, até então sendo administrado pelo seu irmão. Quando Louie descobriu que seu caçula planejava vender a rede, o que era para ter sido uma reconciliação familiar se tornou mais uma discussão séria e, sem pensar duas vezes, o mercenário comprou a rede com o próprio dinheiro, jurando nunca mais falar com o irmão. No quarto principal, Ashley mexia no guarda-roupa de Charlotte e Bia – a menina havia sido oficialmente adotada por Sam após o conflito e, com a ajuda de Louie, os dois criavam a menina de agora treze anos. Ela não era mais tão ingênua e sabia do passado de todos ali – opinava duramente enquanto mexia no celular.
— Não acredito que você não se importa. — Ashley reclamou, tirando várias peças para avaliar e colocando no lugar novamente. — É algo importante.
Charlotte estava deitada na cama, apoiando os pés na parede enquanto observava a amiga de cabeça para baixo:
— É importante, mas não é o MET Gala. — Respondeu. Ashley a fuzilou com os olhos. Mesmo não sendo sua área de atuação, a ex-traficante era extremamente ligada com a moda.
— Eu acho que a Ash tá meio que certa. — Bia disse, sem tirar os olhos do celular. — Tipo, é algo que vai ficar marcado na memória de geral.
Naquela noite, a assassina pretendia fazer um anúncio do qual apenas as duas garotas sabiam. Mesmo depois de ter reconstruído sua imagem, deixando de lado os moletons por boa parte dos dias e os substituindo por vestidos ou conjuntos os quais lhe passavam uma outra imagem de imponência, datas como a virada do ano ainda não eram tão especiais para ela a ponto de precisar de uma roupa completamente nova.
— Você tem sorte. — Ashley disse antes de sair do quarto por um momento, voltando alguns minutos depois com dois cabides cobertos por capas pretas.
Sem hesitar, ela abriu o zíper das duas capas, revelando dois vestidos longos diferentes: o primeiro, coberto de grandes paetês prateados. O segundo era mais justo ao corpo, em um tom de vinho com brilhos destacando-o do começo ao fim. Apesar da impressão de não ter mangas, ainda havia um tule entre o busto e o pescoço, onde uma faixa do mesmo tecido formava uma espécie de gargantilha.
— Uau. UAU. — Bia disse, largando o celular pela primeira vez em muitas horas. — Tia, você trouxe um pra mim também?
Ashley sorriu.
— No próximo ano vamos fazer compras juntas. Eu pago o seu. — Respondeu enquanto piscava para Bia e jogava o vestido vinho para Charlotte.
— Como sabia que eu iria escolher esse?
— Algo me dizia que paetês não faziam muito o seu estilo, mas não custava tentar. Eu vi como seus olhos reagiram quando abri o segundo, então....
Foi a vez de Charlotte sorrir. Quem as vissem agora, jamais diriam que a ex-assassina chegou a odiar a loira por um bom tempo.
— Obrigada. — Ela disse por fim. — Espero que ele goste.
— Não é ele quem tem que gostar. — Bia disse, autoritária com o discurso feminista pronto.
— Não mesmo — Ashley disse, sentando na ponta da cama —, mas o sentimento de impressionar a pessoa que você ama é indescritível. Eu diria que é como em um conto de fadas. Não é uma obrigação, só um tipo de prazer. — Seu tom paciente e didático deixou a mais nova em um estado de reflexão.
Horas depois, Ashley foi até a varanda, alertando aos homens sobre o horário. Ao contrário de muitas famílias, ali quem organizava as refeições não eram as mulheres. Sam preparava aperitivos com Santiago e Louie os pratos que fariam parte da refeição principal. Todd e Scott eram os auxiliares.
O aviso foi dado no final da tarde e, enquanto as mulheres se arrumavam, os homens cuidavam da refeição. Era o tempo certo para elas terminarem e irem até o jardim enquanto eles iam se arrumar. Assim, Scott só conseguiria ver Charlotte quando todos estivessem prontos.
Charlotte usava o vestido vinho e Ashley o de paetês prateados, enquanto Bia havia optado por um macacão branco, simples comparado aos vestidos, mas que combinava perfeitamente com sua personalidade e idade. As três conversavam tranquilamente quando o resto dos amigos chegaram, a noite servindo de fundo para ressaltar os trajes de cada um.
— Você está incrível. — Scott disse, fazendo a esposa dar duas voltas para admirar o look completamente.
— Você me faz ser incrível. — Ela respondeu, sorrindo. Olhando sobre o ombro do marido, viu Ashley erguendo a própria taça do que bebia, um “de nada” sigiloso.
Enquanto todos se entrosavam, Santiago se afastou por um momento e respirou fundo. Apertava a aliança presa no seu colar com força. Sentia falta dela todos os dias, mas as celebrações ainda eram as mais doloridas. Com certeza não teria conhecido todos aqueles se Catarina ainda estivesse viva, mas caso o destino o levasse para o mesmo caminho, tinha plena certeza de que ela seria a verdadeira alma da festa.
— Santiago — um deles gritou —, cadê a comida?
Sendo tirado de seus devaneios, ele andou até o grupo.
— Eu não sou o mordomo de vocês. — Disse, logo em seguida chamando Sam para segui-lo até a cozinha. Não demorou muito para os aperitivos estarem espalhados pela mesa, a música alegre tocando ao fundo.
A noite se seguiu com música, dança e piadas internas. Quando o relógio anunciou a meia-noite, a comemoração se intensificou com abraços e desejos de um ano próspero. Scott e Todd foram os responsáveis por abrir a champagne e servir para cada um. Até Bia foi autorizada a beber uma taça.
Scott percebeu quando Charlotte não bebeu sua taça após o brinde, mantendo o sorriso entre os amigos como se tudo estivesse bem. Ele sussurrou:
— Você está bem?
— Estou... — Ela sussurrou de volta.
— Você não bebeu nada além de água hoje.
Ashley ouviu a última fala, pedindo silêncio para o resto do grupo assistir a cena.
— Achei melhor não beber álcool hoje. — Charlotte respondeu, a ansiedade na voz preocupava o marido.
— Aconteceu alguma coisa?
Charlotte sorriu e acenou com a cabeça, mas Scott ainda não havia entendido. Ela repousou a taça na mesa.
— Eu... vou ficar alguns meses sem ingerir álcool. — Disse.
— Meses? — Scott estava cada vez mais ansioso. — Você foi no médico recentemente e disse que tudo estava bem e...
— Scott. — Ela interrompeu, sorrindo enquanto pegava a mão do marido e colocava sobre a própria barriga. — Só alguns meses.
Naquele ponto, todos já haviam entendido o que ela queria dizer, mas não ousaram reagir antes de Scott, que parecia ainda tentar ligar os pontos.
— Scott? — Foi a vez da esposa ficar preocupada.
— Meses... — Ele disse para si mesmo. — Você...?
— Uhum. — Ela sorriu mais ainda. Scott abriu a boca algumas vezes, mas nenhum som saiu.
— Então nós vamos...?
Charlotte sorriu mais uma vez, colocando os braços ao redor de Scott.
— Nós vamos ser pais.
Ele a beijou, apaixonadamente enquanto o resto do grupo gritava em celebração.
— O que foi isso? — Ela perguntou quando fizeram uma pausa para respirar.
— Meu amor por você. — Disse. — Vocês.
Scott se virou para o grupo, ignorando que eles já estivessem comemorando a novidade, gritou:
— Eu vou ser pai!
O grupo gritou de volta em comemoração.
— Eu vou ser pai. — Sussurrou para si mesmo, abraçando Charlotte, que viu quando uma lágrima escorreu do rosto do marido.
— Você... está bem? — Ela sussurrou de volta, levemente preocupada, acariciando o rosto do pai do seu bebê. Ele a encarou, os olhos brilhando.
— Acho que nunca estive melhor. — Sorriu.